Cân. 898 — Os fiéis tenham em suma honra a santíssima Eucaristia, participando activamente na celebração do augustíssimo Sacrifício, recebendo com grande devoção e com frequência este sacramento, e prestando-lhe a máxima adoração; os pastores de almas, ao explanarem a doutrina sobre este sacramento, instruam diligentemente os fiéis acerca desta obrigação.
Por Pe. Martinho de Cochem.
A excelência da Santa Missa é tão grande, que os próprios Serafins não podem compreendê-la perfeitamente. Experimentemos, entretanto, investigar os ensinamentos da Igreja a este respeito.
São Francisco de Sales diz:
"O santíssimo Sacrifício do altar é, entre os exercícios da religião, como o sol entre os astros, porque é verdadeiramente a alma da piedade e o centro da religião cristã, ao qual todos os seus mistérios e todas as suas leis se relacionam; é o mistério inefável da divina caridade, pelo qual Jesus Cristo, dando-se realmente a nós, cumula-nos com suas graças de maneira igualmente amável e magnificente" (Introdução à vida devota).
O sábio Osório julga a Santa Missa acima de todos os outros mistérios da nossa religião:"Entre todos os atos da Igreja, o Santo Sacrifício da Missa é o mais augusto e mais precioso, porque o Santíssimo Sacramento do altar é aí consagrado e oferecido a Deus". E Fornerus de Bamberg acrescenta: "Se bem que todos os Sacramentos estejam cheios de majestade, a Santa Missa excede-os; aqueles são vasos que contêm a divina misericórdia para os vivos, esta é um oceano inesgotável de liberalidade divina pelos vivos e pelos mortos".
Vejamos agora em que se manifesta a excelência da Santa Missa.
Em primeiro lugar, manifesta-se, no cerimonial pomposo da bênção solene ou consagração de uma igreja, ou dum altar pelo Bispo. Longo demais seria narrar aqui toda a cerimônia - aliás rara entre nós, devido a diversas razões; mas é certo que a consagração das igrejas é uma cerimônia tão tocante e insinuante, que facilmente dela se deduz que, das nossas igrejas, muito mais que do templo de Jerusalém, valem as palavras do profeta Isaías:
Desta palavra fez menção Jesus Cristo, quando, cheio de santa indignação, expulsou do templo de Jerusalém os que o violavam pelos negócios gananciosos. Lembremo-nos, também, desta mesma palavra para, cheios de santa fé e religioso respeito, entrarmos em nossas igrejas para adorarmos a Jesus Cristo, corporal e essencialmente, presente no santo altar. Conservemo-nos alheios do costume altamente censurável de fazer dos templos sagrados lugares de conversas e, quiçá, de faltas mais graves.
Em segundo lugar, a excelência da santa Missa nos é demonstrada pelo rito solene da ordenação dos ministros do altar, mormente dos sacerdotes. Dispensamo-nos ainda de expor longamente a administração do santo sacramento da ordem, do sacerdócio, para não se avolumar demais este livro. Quem já teve ensejo de assistir à ordenação de neopresbíteros, não terá deixado de experimentar singular impressão, sentindo a grandeza oculta do ato, seu efeito duradouro do estado sacerdotal e de seu fim elevado de oferecer o santo sacrifício da Missa.
Ainda poderíamos referir-nos aos objetos que servem à celebração da santa Missa e dar outras tantas provas da excelência do mesmo sacrifício da Missa, pois a grande e rigorosa diligência de nossa santa Igreja se inspira na compreensão e estima que tem daquilo que se passa no santo altar. Inspiremo-nos nesta diligência, para assistirmos sempre com rigorosa atenção a tão grande mistério.
Até a língua empregada no sacrossanto sacrifício da Missa, a Igreja faz compreender que no altar se efetua algo de superior ao comum. Não se usa a língua vulgar - mas a língua sagrada da Madre Igreja. Houve quem ousasse censurar o uso do latim na Missa, - mas entendamos bem: A santa Missa não é uma instrução, mas um grande mistério. O sacerdote não celebra para ensinar, mas para santificar-se e ao povo. Para tomarmos parte na santa Missa, não é preciso compreendermos as palavras, basta e cumpre unirmo-nos, afetuosamente, ao que se passa no altar. No emprego da língua latina no santo sacrifício, temos ainda um valioso símbolo da unidade da Igreja: Uma só Igreja, um só sacrifício, uma só língua em todo o mundo no altar.
Passemos agora à prova mais evidente da excelência da santa Missa, que consiste em demonstrar quem é a pessoa do sacrificador, e qual a oferta na santa Missa.
Quem é o sacrificador? - o sacerdote? o Bispo? o Papa? - Não. - Será um Anjo do céu? um Santo? a própria Mãe de Deus, Maria Santíssima? - Oh, não. É o sacerdote dos sacerdotes, o Bispo dos Bispos, o Filho de Deus, Jesus Cristo, "o sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedec".
É ele quem dá à santa Missa a excelência incomparável; é ele quem eleva a oferta do pão e do vinho a um sacrifício divino.
Que Jesus Cristo é o sacerdote na santa Missa, prová-lo-emos com estas palavras de S. João Crisóstomo:
"O mesmo Jesus Cristo que nos preparou, na última Ceia, esta mesa sagrada, está aqui para abastecê-la; pois não é o homem que muda o pão e o vinho no Corpo e no Sangue de Nosso Senhor, mas sim Jesus Cristo que, por nós, foi crucificado".
Com estas palavras S. Crisóstomo prova que Jesus Cristo cumpre, pessoalmente, a parte essencial da santa Missa; que desce do céu, muda em seu Corpo e Sangue, o pão e o vinho, oferecendo-se, em holocausto, a seu Pai pela salvação do mundo, e ora, como fiel mediador, pelos pecados do povo. Os sacerdotes são apenas seus instrumentos: emprestam-lhe a boca, a língua, as mãos para a realização do divino Sacrifício.
Se alguém recusar crer no testemunho de S. Crisóstomo, eis a decisão do grande Concílio de Trento:
"O Sacrifício da Cruz e o Sacrifício da Missa são um só e mesmo sacrifício, porque aquele que se imolou sobre a Cruz, de maneira cruenta, é o mesmo que se imola na santa Missa, de modo incruento, pelo ministério dos sacerdotes".
É pois, doutrina da santa Igreja, que os sacerdotes são simplesmente os servos de Jesus Cristo e que Nosso Senhor se oferece, no altar, tão verdadeiramente como se ofereceu sobre o patíbulo da Cruz.
Que honra! que graça! que inestimável benefício! O divino Salvador digna-se de fazer-se nosso sacerdote, nosso mediador, nosso advogado!
Eis o que também refere S. Paulo em sua Epístola aos Hebreus:
"Era justo que tivéssemos um pontífice como este: santo, inocente, sem mancha, segregado dos pecadores, e mais elevado que os céus, que não fosse obrigado, como os outros pontífices, a oferecer vítimas, todos os dias, primeiramente pelos próprios pecados e, em seguida, pelos pecados do povo. A lei antiga estabeleceu, para pontífices, homens fracos, mas a palavra de Deus, confirmada pelo juramento que fez depois da lei, constituiu pontífice o Filho, que é santo e perfeito eternamente" (Heb. 7, 26-28).
Não são estas magníficas palavras do Apóstolo uma prova de quanto Deus nos estima, visto que nos deu, por sacerdote e mediador, não um homem frágil e pecador, mas seu Filho único, a própria santidade?
Consideremos, agora, por que Jesus Cristo não quis confiar seu sacrifício a homem nenhum. A principal razão foi porque este sacrifício devia ser puríssimo como o profeta Malaquias o havia anunciado.
Em todo lugar, sacrifica-se e oferece-se ao meu nome uma oblação pura. Foi por esta razão que Deus reservou o nome a função de sacerdote a seu Filho único, ao sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedec.
Deste modo, o sacerdote celebrante não é propriamente falando, o sacrificador, porém apenas o servo do grande sacerdote Jesus Cristo.
Segue-se daí, que toda Missa é de um valor infinito, pois é celebrada pelo próprio Jesus Cristo, com uma devoção, um respeito, um amor acima do entendimento dos Anjos e dos homens. O mesmo Jesus Cristo revelou esta verdade à Santa Matilde:
"Só Eu, disse, compreendo, perfeitamente, de que forma me imolo, todos os dias, sobre o altar pela salvação dos fiéis; os Querubins e os Serafins, nenhuma Potestade celeste, saberiam compreende-la inteiramente" (Revelações, I, 19).
Oh meu Jesus! que impenetrável mistério e que felicidade para nós, pobres pecadores, sermos admitidos à santa Missa, onde efetuais essa salutar oblação!
Caro leitor, considera bem estas palavras e quanto te é vantajoso assistir à santa Missa, em que Nosso Senhor se oferece por ti; faz-se o mediador entre tua culpabilidade e a justiça divina, e retém o castigo que merecem, cada dia, os teus pecados. Oh, se abrisses bem os olhos a esta verdade, como amarias a santa Missa; como suspirarias pela felicidade de assisti-la. Como a ouvirias devotamente. Como te lastimarias por faltar a uma só! Para poupar um tal prejuízo a tua alma, suportarias, de boa vontade, qualquer dano temporal. Os primeiros cristãos nos deixaram disto o exemplo: preferiram perder a vida a deixar de assistir à santa Missa.
Já insistimos muito na excelência da santa Missa; entretanto, resta-nos ainda a tratar de um ponto importante: o valor da oferta, apresentada à Santíssima Trindade.
É evidente que esta oferta, para ser digna de Deus, deve ser de um preço inestimável, porque quanto maior é a quem se faz uma oferta, tanto mais preciosa ela deve ser. Se alguém ousasse oferecer uma bagatela a um príncipe, cobrir-se-ia de confusão
Ora, o céu e a terra são apenas uma bagatela diante da imensa Majestade de Deus.
"O mundo, perante Deus, é o grãozinho que apenas dá diminuta inclinação à balança, a gota do orvalho da manhã, que cai sobre a terra" (Sabedoria, 11, 23).
Então, onde achar, no universo inteiro, alguma coisa digna de Deus?
Que acharia Jesus Cristo, mesmo no céu, que fosse digno de Deus?
No céu e sobre a terra achou apenas sua santa, imaculada e bendita Humanidade, isto é, o que a onipotência de Deus produziu de maior. "A Humanidade de Jesus Cristo, disse Nossa Senhora à Santa Brígida, foi, e será para sempre, o que há de mais precioso".
Com efeito, a mão liberalíssima de Deus ornou esta Humanidade de tantas graças e perfeições que nada mais lhe podia acrescentar. Não porque Deus não pudesse, absolutamente, conceder mais, porém porque a capacidade da humanidade não as poderia conter.
Todavia, esta Humanidade tão bela, tão pura, tão santa e perfeita, não pode oferecer um sacrifício digno da adorabilíssima Trindade senão em razão de sua união com a pessoa do Verbo eterno, união que dá a todos os seus atos e sacrifícios um valor e merecimento infinitos.
Por esta grande dignidade, durante sua permanência na terra, a santa Humanidade do divino Salvador atraiu a mais profunda veneração, não só de homens piedosos como também de Anjos do céu. Que adoração universal, porém, é prestada agora a esta santa Humanidade no céu, onde se acha gloriosa e imortal em um trono, à direita do Pai celeste!
A santíssima Humanidade de Jesus Cristo forma a única oferta digna de ser apresentada no santo Sacrifício, e, na verdade, é o mesmo Jesus Cristo quem a oferece. Com ela, oferece tudo o que efetuou e sofreu durante os trinta e três anos de sua vida mortal: jejuns, vigílias, orações, viagens, mortificações, pregações, perseguições, insultos, zombarias, lágrimas, gotas de suor, agonia no jardim das oliveiras, flagelação, coroação de espinhos, crucificação, morte e sepultura. Além disto, oferece a Humanidade, inseparavelmente unida à Divindade, porque, embora a Divindade não seja objeto do sacrifício, a Humanidade é nele oferecida no estado de perfeição a que a eleva à união hipostática.
Medi, pois, se podeis, o valor de uma tal oferta. Enfim, Jesus Cristo não oferece sua Humanidade sob a forma que tem no céu, mas no estado em que se acha sobre o altar. No céu ela é tão gloriosa que os Anjos tremem ante sua Majestade: no altar, pelo contrário, sua humilhação é tão extrema que estes mesmos se enchem de espanto.
A Humanidade de Nosso Senhor está, de tal modo, unida e estreitada às espécies eucarísticas que nunca se podem separar, nem mais aí subsistirá, quando forem destruídas as espécies. De que modo contempla a Santíssima Trindade este prodígio de humanidade! Que glória para o Pai celeste! Que virtude, que perfeição não recebe daí a santa Missa onde se cumprem estes divinos Mistérios! Que bênção, que socorro para aqueles em cujas intenções o santo Sacrifício é oferecido! Que consolação, que alívio não recebem as almas do purgatório, quando a santa Missa é celebrada, ou ouvida pelos seu livramento!
A Missa quotidiana é a arma, pela qual a graça e a misericórdia sobressaem à justiça.
Agradeçamos, pois, ternamente ao divino Salvador por nos ter legado, a nós, seus pobres filhos, um sacrifício tão poderoso; agradeçamos-lhe por nos ter deixado este meio infalível de atrair as ondas da divina misericórdia.
Para glória da santa Missa, relatamos como se fez a consagração da capela d'Einsiedeln, na Suíça, e como o mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo celebrou o santo Sacrifício como grande solenidade.
Oitenta anos depois da morte de Meinrado, o santo eremita Eberardo, piedoso solitário de nobre família, foi pedir a S. Corado, Bispo de Constança, a graça de consagrar a capela de S. Meinrado. O virtuoso Bispo anuiu-lhe ao pedido. Na festa da Exaltação da santa cruz, em 14 de setembro de 940, devia realizar-se a consagração.
Mas, indo para a capela, a fim de entregar-se à oração, o santo Bispo ouviu os coros dos Anjos cantar as antífonas e os responsórios da consagração. Entrou e viu a capela cheia de Anjos, e, no meio deles, Nosso Senhor, que, revestido de paramentos episcopais, procedia à consagração do santuário. À vista disto, Conrado caiu em santo êxtasis, sem, entretanto, nada perder de sua atenção. Viu e ouviu Nosso Senhor pronunciar as palavras da Igreja e desempenhar-lhe as cerimônias em igual festa. Os apóstolos, os Anjos e uma multidão de Santos assistiam-lhe. A Mãe de Deus, a quem o altar e a capela eram dedicados, aparecia em cima do altar, mais brilhante que o sol, mais resplandecente que o fulgor do relâmpago.
Terminada a consagração, o Senhor começou a Missa solene, depois da qual toda a corte celeste desapareceu, deixando Conrado em transporte de alegria.
Reconheceu, sobre as cinzas que cobriam o solo, as marcas dos pés do Salvador e, sobre as paredes, os traços das unções.
De manhã, o clero veio buscar o Bispo para fazer a sagração, porém ele disse: "Não posso consagrar este santuário, porque já foi consagrado de maneira misteriosa".
Insistem, forçam-no, quando uma voz celeste se faz ouvir e repete por três vezes:"Pára, meu irmão, a capela já está consagrada".
Mais tarde, S. Conrado referiu ao Papa Leão VIII este fato extraordinário, cuja veracidade o mesmo Papa afirmou num rescrito apostólico, em que proibiu tornar a consagrar a capela, e concedeu indulgências especiais aos fiéis, que a freqüentassem (Legende der Heiligen von Ott, p. 2326).
Caro leitor, dizes, com certeza: "Ah! se pudesse assistir a uma festa igual, ver o que viu S. Conrado, ouvir o que ele ouviu! Que prazer, que emoção!".
Entretanto, não está presente, em cada Missa, Nosso Senhor, o grande pontífice? Não nasce, em cada Missa, sobre o altar, e não o cercam os Anjos?
Feliz serás, pois, se considerares que te achas no meio de uma tão alta assembléia, que se digna de unir tuas pobres orações às suas, para fazê-las subir até o trono de Deus.
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